O ensino da Língua Portuguesa está baseado no estudo do contexto, muito embora o aluno ainda demonstre pouca intimidade com a leitura e interpretação.
A gramática contextualizada produz um efeito surpreendente, pois convida o aluno a aprender como fazer uso da língua sem a idéia de explorar somente uma regra.
Como forma de justificar tais considerações, observe: chegar numa sala de aula e apresentar diretamente o conteúdo a ser trabalhado (a crase, por exemplo) acaba sendo algo assustador, pois a gramática é vista com resistência por parte dos alunos e impor a compreensão de regras e exercícios tradicionais, só complica a situação.
Imagine uma aula de crase, na qual sejam explorados, num primeiro momento, poemas e crônicas. Partindo desta idéia, é importante falar de cada autor, sua forma de escrever e, por fim, a visão acerca do assunto crase (retirado do artigo da revista). Depois deste primeiro contato é possível expor os vários direcionamentos referentes ao estudo da crase, por meio de uma discussão ou debate, sendo facultado ao aluno analisar os diferentes posicionamentos dos autores.
O papel do professor será o de subsidiar o aluno, com a finalidade de que ele possa compreender as informações que o conduzirão ao estudo proposto.
O trabalho realizado permitirá que o aluno perceba os recursos linguísticos utilizados e uma melhor visão da importância do contexto para o estudo da gramática, além de notar que o melhor conceito para a aprendizagem não é o intitulado por um estudioso, mas aquele que se forma baseado nas informações captadas numa aula em que ele se comporta como agente.
Como usar a crase sem crise
Ao tentar minimizar o terror que assalta muitos usuários da língua portuguesa quando precisam empregar o acento grave, o poeta Ferreira Gullar saiu-se com uma justificativa espirituosa: “a crase não foi feita para humilhar ninguém”. O escritor Moacyr Scliar discorda dessa opinião e afirma, numa crônica que a crase foi feita, sim, para humilhar as pessoas. Por causa dela, ainda segundo Scliar, a população brasileira pode ser dividida em duas classes: uma minoria, que sabe utilizar com propriedade o fenômeno fonético, e a maioria, que tem medo existencial desse sinal gráfico. O humorista Millôr Fernandes vai mais longe e assume, com todas as letras, que é contra a crase, pois “ela não existe. É uma invenção em português do Brasil.”
Conteúdo: pontuação, grafia e crase
Habilidade: analisar a pertinência da manutenção do uso da crase na L.P.
Tempo estimado: duas aulas de 50 minutos
Preparação da aula: adquira ilustrações de vários anúncios que podem, ou não, conter o sinal indicativo de crase. Providencie cópias dos anúncios e distribua para a turma. Também será proveitoso levar para a classe bons livros de gramática.
Peça que todos pesquisem os conceitos de crase. De forma geral, eles vão ler que o fenômeno fonético é resultado da fusão entre a preposição a com o artigo definido feminino singular ou plural a, as ou ainda com o a inicial dos pronomes demonstrativos aquele, aquilo, aquela... Na escrita, sinaliza-se com o acento grave. Reforce a noção de que a crase não é simplesmente um sinal que vai sobre a letra a, como acredita boa parte das pessoas, mas uma indicação de fusão. A expressão, aliás, deriva do vocábulo grego krásis – que significa mistura, combinação.
Atividades: proponha um exercício inusitado que tem tudo para agradar os alunos. Divididos em grupos, eles devem consultar os índices de conteúdo das gramáticas e anotar os itens que julgam passíveis de eliminação do currículo, seja porque são complicados, opressores ou absoletos, ou ainda porque as regras de uso são de difícil entendimento. A produtividade vai melhorar se você estabelecer um prazo mais ou menos rígido para a discussão dos argumentos. O relator de cada equipe fica encarregado de elaborar uma lista de motivos favoráveis e contrários à supressão dos conteúdos.
Exponha razões que defendem a extinção da crase. Mas explique que tudo não passa de brincadeira, pois ela é uma regra e seu fim causaria confusão na leitura de certas construções. Exemplifique com a frase “Vendo a vista”. Explore o desenho dos alunos, perguntando se algum dos contextos exige crase. Em seguida, leia a notícia do projeto de lei do deputado João Herrmann Neto (que propõe a eliminação da crase da L.P.com o Projeto de Lei 5154/05) e examine os pontos de vista de Millôr Fernandes e Moacyr Scliar. Depois deixe que o redator de cada grupo apresente os conteúdos que a turma quer limar do idioma. Existe alguma unanimidade? Os argumentos coincidem? Anote no quadro as colocações dos estudantes.
Concluídas as exposições, apresente uma contra-argumentação à proposta de Millôr e Scliar. Informe que o fenômeno fonético da crase teve origem no alfabeto criado pelos gregos na Antiguidade e foi muito importante na evolução do latim para o português. Uma rápida consulta aos livros de gramática trará casos esclarecedores para a compreensão geral. Evidencie que acabar com o acento grave pode parecer uma tentativa desesperada, fruto de uma certa má vontade dos usuários para estudar e aprender o emprego correto. Ajude os alunos a perceber que o simples sumiço do sinal gráfico não resolve o problema – tampouco os chamados macetes ou listas de regras. A saída são os velhos e bons exercícios de leitura e escrita, por meio dos quais os falantes adquirem experiência para intuir onde há fusões e aí aplicar a crase com serenidade. Se houver receio quanto ao emprego, a gramática continua sendo o melhor tira-dúvidas.
Solicite redações individuais sobre o assunto. Uma alternativa é cada um iniciar o texto contando suas dificuldades para usar a crase. Monte uma antologia com os trabalhos e, se for o caso, promova uma revisão dos mesmos na aula seguinte. Se houver erros, trate a questão com naturalidade e reforce a idéia de que o estudo e a prática – somente eles – nos ajudam a encarar o acento grave sem inibição ou medo.
(Retirado da Revista Veja na Sala de Aula – Fevereiro de 2006)
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