domingo, 27 de julho de 2008

VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E PRECONCEITO




Da mesma forma que a humanidade evolui e se modifica com o passar do tempo, a língua acompanha essa evolução e varia de acordo com os diversos contatos entre os seres pertencentes à comunidade universal. Assim, é considerada um objeto histórico, sujeita a transformações, que se modifica no tempo e se diversifica no espaço. Existem quatro modalidades que explicam as variantes lingüísticas:
1. variação histórica (palavras e expressões que caíram em desuso com o passar do tempo);
2. variação geográfica (diferenças de vocabulário, pronúncia de sons e construções sintáticas em regiões falantes do mesmo idioma);
3. variação social (a capacidade lingüística do falante provém do meio em que vive, sua classe social, faixa etária, sexo e grau de escolaridade);
4. variação estilística (cada indivíduo possui uma forma e estilo de falar próprio, adequando-o de acordo com a situação em que se encontra).
Entretanto, mesmo que as variantes acima descritas expliquem as variações lingüísticas, o falante que não domina a língua denominada "padrão" por sua comunidade lingüística, sofre preconceitos e é "excluído" da "roda dos privilegiados", aqueles que tiveram acesso à educação de qualidade e, por isso, consideram-se "melhores" que os demais. Esse tipo de preconceito é denominado preconceito lingüístico.
De acordo com Marcos Bagno, "preconceito lingüístico é a atitude que consiste em discriminar uma pessoa devido ao seu modo de falar". Como já dito, esse preconceito é exercido por aqueles que tiveram acesso à educação de qualidade, à “norma padrão de prestígio”, ocupam as classes sociais dominantes e, sob o pretexto de defender a língua portuguesa, acreditam que o falar daqueles sem instrução formal e com pouca escolarização é “feio”, e carimbam o diferente sob o rótulo do ”erro”. Infelizmente, “preconceito lingüístico” é somente uma denominação “bonita” para um profundo preconceito “social”: não é a maneira de falar que sofre preconceito, mas a identidade social e individual do falante.
Há muitos preconceitos no mundo todo: preconceito racial, preconceito contra os pobres, contra as mulheres..., enfim, uma infinidade de “absurdos” cometidos por parte dos “ignorantes”. Mas, dentro do chamado “preconceito lingüístico”, posso citar alguns considerados “destaque”, devido à constante freqüência de suas ocorrências.
“A norma padrão constitui o português correto; tudo o que foge a ela representa erro”. Dentro do ambiente escolar, muitos professores costumam repetir essa frase. Porém, é necessário que eles compreendam que não existe português certo ou errado, mas modalidades de prestígio ou desprestígio que correspondem ao meio e ao falante. O apagamento de uma modalidade em favor de outra é despersonalizador, pois o indivíduo, ao ingressar na escola, possui um repertório cultural já formado pelo seu meio e, se lhe for dito que tudo o que conhecia (no caso, sua linguagem) é “errado”, perderá sua identidade verdadeira e poderá adquirir o preconceito. Por isso, é desejável que o aluno não abandone sua modalidade em seu meio. Mas, a prática da norma culta deve ser ensinada para a promoção social do mesmo.
As instituições de ensino deveriam tratar a questão do ensino da norma culta e das variantes lingüísticas de maneira com que os alunos conseguissem compreender a norma e suas variantes. Deveriam promover aos alunos uma reflexão sobre a língua materna, distinguindo o que é adequado ou inadequado em determinadas situações de uso. Dessa forma, a classe sócio-economicamente desprivilegiada teria a oportunidade de ascensão social e de acesso aos instrumentos culturais, obtendo prestígio.
Mas, ao contrário do que é realmente adequado ao ensino da língua, as escolas estão mantendo as classes menos favorecidas em um baixo patamar, sem lhes promover o conhecimento da língua materna e a reflexão sobre as variações lingüísticas existentes, privando-as de uma oportunidade de ascensão social.
É importante que os professores promovam os instrumentos necessários para que os alunos possam ser capazes de compreender as linguagens formal e informal e adequá-la às diversas situações que lhes acontecerem. Há também a necessidade de fazê-los refletir sobre o que é “certo e errado”, levando em consideração as diversas variações históricas, estilísticas, geográficas e sociais que a linguagem possui.
“O bom português é aquele praticado em determinada região”, “O caboclo fala errado”, “Nenhum brasileiro fala o português corretamente”. Indivíduos não conhecedores das variantes lingüísticas “adoram” fazer afirmações como essas. Mas é preciso que coloquem em suas mentes que a língua varia de acordo com a região em que é falada (devido à sua cultura, costumes e classe social) e que essa variação afeta a norma criando, então, uma modalidade de linguagem para cada situação específica de ocorrência verbal. Não existe então “certo e errado” no ato lingüístico, mas sim variantes decorrentes de alguns fatores como região, classe social e etc.
“O bom português é o das épocas de ouro da literatura”. Primeiro, há um português culto falado e um escrito. Mas a língua escrita é mais conservadora que a falada; segundo, a norma ancora a língua no contemporâneo; terceiro, a língua é um fenômeno social, e sua existência prende-se aos grupos que a instituíram.
Bagno afirma que “A mídia poderia ser um elemento precioso no combate ao preconceito lingüístico. Infelizmente, ela é hoje o pior propagador deste preconceito. Enquanto os estudiosos, os cientistas da linguagem, alguns educadores e até os responsáveis pelas políticas oficiais de ensino já assumiram posturas muito mais democráticas e avançadas em relação ao que se entende por língua e por ensino de língua, a mídia reproduz um discurso extremamente conservador, antiquado e preconceituoso sobre a linguagem”.
Programas de rádio e televisão, sites da internet, colunas de jornal e outros meios de multimídia estão cheios de “absurdos” teóricos e “distorções”, pois são feitos por pessoas sem formação científica sobre o assunto. Divulgam “bobagens” sobre a língua e discriminam os estudiosos da linguagem. Isso atrapalha a desmistificação do “certo e errado” e acaba propagando o preconceito.
Em suma, para se acabar com o preconceito, seja ele racial, social ou qualquer outro, é necessário que haja uma democratização da sociedade, que dê oportunidades “iguais” à todos, reconhecendo e respeitando suas diferenças. E mais: a palavra “preconceito” significa um “pré” conceito daquilo que ainda não se conhece a fundo. A partir do momento em que se estuda determinado assunto, que se aprende sobre ele, o que se deve adquirir é “respeito”, e não “discriminação”.
Referências
BAGNO, Marcos. Preconceito lingüístico. São Paulo: Edições Loyola, 2001. CAMERON, Deborah. Verbal Hygiene, Londres e Nova Iorque: Routledge, 1995.
POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado das Letras, 1997.VIANA, Nildo. Educação, Linguagem e Preconceito Lingüístico. Plurais. vol. 01, n. 01. Jul./Dez. 2004.
(Texto retirado da internet: pt.wikipedia.org/wiki/preconceito_linguistico)