segunda-feira, 6 de outubro de 2008

A (DES)CONSTRUÇÃO DE UM MUNDO

Brasil, por volta de 1570. Chegam ao país algumas órfãs, enviadas pela rainha de Portugal, com o objetivo de desposarem os primeiros colonizadores. Uma delas, Oribela (Simone Spoladore), é uma jovem sensível e religiosa que, após ofender de forma bem grosseira Afonso Soares D'Aragão (Cacá Rosset) se vê obrigada em casar com Francisco de Albuquerque (Osmar Prado), que a leva para seu engenho de açúcar. Oribela pede a Francisco que leh dê algum tempo, para ela se acostumar com ele e cumprir com suas "obrigações", mas paciência é algo que seu marido não tem e ele praticamente a violenta. Sentindo-se infeliz, ela tenta fugir, pois quer pegar um navio e voltar a Portugal, mas acaba sendo recapturada por Francisco. Como castigo, Oribela fica acorrentada em um pequeno galpão. Deprimida por estar sozinha e ferida, pois seus pés ficaram muito machucados, ela passa os dias chorando e só tem contato com uma índia, que lhe leva comida e a ajuda na recuperação, envolvendo seus pés com plantas medicinais. Quando ela sai do seu cativeiro continua determinada em fugir, até que numa noite ela se disfarça de homem e segue para a vila, pedindo ajuda a Ximeno Dias (Caco Ciocler), um português que também morava na região.

O Brasil como terra para os bandidos portugueses – “criminosos e malfeitores” – é, sem dúvida, uma imagem construída por historiadores que difundiram certas conclusões exageradas, fundadas muito mais nas próprias suposições que sobre uma pesquisa sistemática. Freqüentemente os degredados são apontados por eles como a “escória” vinda de Portugal. Afonso Ruy disse que “não bastavam as faltas dos degredados que, em assustador crescendo, eram enviados para o Brasil, esvaziando as prisões e limpando as ruas do Reino”. Ruy Nash não foi menos nefasto ao afirmar que “[...] quase tudo quanto Portugal fez pelo Brasil foi enviar duas caravelas por ano a vomitar em seu litoral esses resíduos da sociedade [...]”. Finalmente Alberto Silva com desdém comentou: “[...] o povilhéu rafado dos enxurdeiros lisboetas, a arraia miúda anônima e miserável de todos os tempos [...]”. Paulo Prado afirma no seu livro Retrato do Brasil que no alvorecer do Novo Mundo, particularmente no Brasil nos anos que se seguiram ao descobrimento, muitos degredados eram abandonados nas praias e “dessa gente raros eram de origem superior”. “De baxa manera y suerte”, “De linajes obscuros y baxos”, informam os cronistas castelhanos. Em suma: “toda a escuma turva das velhas civilizações”. Todas essas descrições, mais imaginárias que históricas, conduziram Pedro Calmon a dizer que a “história do Brasil teria o que refletir sobre este desequilíbrio de origem”. Teria mais razão Hélio Viana, quando, adotando uma posição mais crítica com relação às interpretações rápidas sobre os degredados, comentou: “desses primeiros povoadores merecem especial atenção os degredados e os criminosos homiziados, quer pelo número, relativamente elevado, dos que aportaram a nova terra, nos dois primeiros séculos, quer pelas exageradas conclusões a que têm chegado, a seu respeito, alguns dos comentadores desse aspecto do sistema colonial português”. De fato, os processos do Santo Ofício não retratam ilícitos terríveis, monstruosos, semelhantes aos que podemos encontrar na imprensa de hoje. É que os inquisidores tinham outras preocupações além das terrenas – principalmente aquelas relacionadas à defesa da fé e à manutenção da ortodoxia religiosa. O primeiro crime previsto no Livro 5 das Ordenações Filipinas trata, justamente, “Dos Hereges e Apóstatas”: “O conhecimento do crime da heresia pertence principalmente aos juízes eclesiásticos [...] se algum cristão leigo, quer antes fosse judeu ou mouro, quer nascesse cristão, se tornar judeu ou mouro, ou a outra seita e assim lhe for provado, nós tomaremos conhecimento dele e lhe daremos a pena segundo direito.” Conhecer a vida quotidiana dos degredados no Brasil é uma tarefa difícil. No período do cumprimento da pena, os processos dos réus pouco, ou quase nada, revelam acerca de suas vidas no degredo, mas tais documentos continuam sempre a registrar suas súplicas comoventes, feitas ainda antes do embarque ou já no território de destino. Desembarcados no Brasil, muitos deles não pensavam senão em retornar à pátria. Arquitetavam os seus planos para conseguirem a clemência dos juízes da fé. Lamentavam sofrimentos, doenças e misérias encontradas no Brasil. Pagavam os seus crimes na Colônia e ansiavam retornar à Metrópole.
Estavam com o corpo no Purgatório mas o olhar no Paraíso.

Um comentário:

Leni disse...

Odelízia, muito interessante sua reflexaão sobre o descobrimento do Brasil.
Lenita